Quando as linhas de crédito chinesas começaram a surgir em Angola, foram consideradas uma benesse para o país e para o continente africano. Politicamente, os chineses não se imiscuíam nos assuntos internos, e economicamente a sua aproximação era muito competitiva. Uma lufada de ar fresco depois das múltiplas explorações das potências coloniais e ocidentais.
Por Rui Verde (*)
A intervenção chinesa obedecia àquilo a que se chamou o “Modelo Angolano”. Este modelo começava com um empréstimo de vários biliões de dólares a taxas de juro muito baixas, concedido ao governo de Angola pela China. De seguida, o governo de Angola usava esses empréstimos na construção de infra-estruturas que eram adjudicadas a empresas chinesas. Finalmente, os empréstimos eram pagos por Angola à China em petróleo ou minerais.
Tom Burgis, o jornalista do Financial Times, descreve detalhadamente a situação no seu livro “A Pilhagem de África.” Este modelo foi replicado pela China, um pouco por toda a África. E Angola tornou-se a base da influência chinesa em África.
À partida, parecia uma situação em que todos ganhavam, a China obtinha influência política, mercados para as suas empresas, e acesso a matérias-primas de que tanto necessitava para a sua expansão económica. Angola obtinha dinheiro para dotar o país de infra-estruturas básicas a preços baixos e sem condicionamentos políticos.
Hoje, este modelo falha. Não vamos falar das questões económicas e dos problemas surgidos com as construções e os métodos chineses. Vamos apenas referir os aspectos políticos que abalam o prestígio da China e comprometem as suas empresas.
Ao adoptar uma estratégia de não-intervenção política, a China acaba por se comprometer com o regime angolano, tornando-se sua cúmplice e vendo o seu nome associado às maiores barbaridades desse regime. Alguns autores — como Tim Marshall, em “Prisoners of Geography” [Prisioneiros da Geografia] — aventam mesmo a hipótese de que os milhares de trabalhadores chineses que se encontram em África poderem ser uma espécie de exército de reserva, ou exército secreto, com que as ditaduras contam em caso de insurreição. Dito de outra forma, os milhares de chineses que há em Angola podem ser uma força de repressão do regime em caso de necessidade. Os números apontam para que existam mais de 200 mil chineses em Angola.
Além de associada ao aparelho repressivo, a China surge também associada aos negócios da corrupção e do tráfico de influências. Também aqui não se vai falar de Sam Pa (nunca se percebeu bem se este era um agente de Angola ou da China, nem se actuava em nome do Estado ou de interesses privados), mas da recente polémica que envolve a China Gezhouba Group Corporation (CGGC) e Isabel dos Santos na construção de barragens em Angola.
A China Gezhouba Group Corporation é um dos gigantes da construção da China. Tendo sido fundada em 1970, é membro nuclear da China Energy Engineering Group Co., Ltd., uma das mais importantes empresas estatais chinesas.
Os negócios da CGGC cobrem o projecto, a construção, investimento e operação em conservação de água, energia hidro-eléctrica, energia térmica, energia nuclear, energia eólica, transmissão e transformação de energia, rodovias, caminhos-de-ferro, pontes, aeroportos, portos, vias navegáveis, edifícios industriais e civis, bem como imóveis, produção de cimento e explosivos civis.
Tem operações em 80 países, desde a Mongólia até ao Brasil.
Na China, a CGGC é uma das empresas mais competitivas e com capacidades de financiamento muito fortes.
Em resumo, estamos perante uma empresa do Estado chinês (na sua maioria), com capacidades técnicas e financeiras muito destacadas e impressionantes. Foi a esta empresa que José Eduardo dos Santos adjudicou a construção da barragem de Caculo Cabaça.
A questão que se coloca é: o que faz a CGGC associada a Isabel dos Santos? Se temos uma empresa que constrói barragens, para que precisa esta de Isabel dos Santos, que não constrói barragens?
É precisamente este o erro que pode custar muito caro à potência chinesa: a associação inexplicável aos elementos do governo que são repudiados pela sua actuação no saque do país, e consequente miséria.
A não ingerência chinesa acaba por se tornar em associação com o poder. Essa associação tem benefícios a curto prazo, como é óbvio, mas custos pesados a longo prazo. Um destes últimos é a crescente percepção da China como potência opressora, que nada faz de diferente por comparação com as anteriores potências coloniais ou neocoloniais, apenas apresentando uma retórica alternativa, que rapidamente sucumbe à realidade.
E há uma perplexidade que permanece: a China tem o dinheiro, tem a capacidade técnica, tem a empresa. Empresta o dinheiro para construir, constrói. Para que necessita de se associar a Isabel dos Santos, tornando-se cúmplice do regime que os angolanos, mais dia, menos dia, deitarão abaixo?
(*) Maka Angola
Foto: Folha 8